De encontros.

by beatnthink

São Paulo, 17 de janeiro de 2012.

 

Naquele dia que se conheceram, Vênus estava indo em direção à Marte. As luzes da cidade, ora desfocadas, ora focadas por uma grande angular, faziam com que o colorido do mundo ficasse ainda mais distorcido ainda mais infinito ainda mais. Era lindo, ela pensou. O correr dos carros de noite, vistos de cima daquela ponte, pareciam estrelas cadentes no asfalto. Ela nem tinha reparado se havia flores ou não nas frestinhas do concreto, apesar de sempre procurá-las quando saía de casa.
Então decidiu que era hora de voltar, já devia ser mais de 3 da manhã. Primeiro agaixou-se, depois tirou rapidamente a alça da câmera do pescoço, afinal estava de noite e ela estava sozinha. Colocou-a na mochila enrolada em uma echarpe xadrez, porque merda, ela tinha esquecido o estojo e teve que improvisar. Mas tudo bem, era terça-feira de um janeiro morno, quase frio, e havia muita vontade.
Estava ventando e ela imaginou que se pegasse a segunda estrela à direita e seguisse em frente até o amanhecer, sairia lá na Terra do Nunca. “I do believe in fairies, I do, I do.” Então foi como criança, andando pela calçada, brincando de se equilibrar nas linhas de um mosaico, tão sujas e imperfeitas, que ela se desequilibrava com facilidade. Começou a cantar alguma música, mas não se lembrava bem da letra, então pensou em muitas coisas e foi de sambas a rocks, de teorias freudianas jungianas lacanianas à escritores mortos; decidiu, por fim, que queria se reter apenas ao concreto. Acendeu um cigarro.
Se lembrou então, da garrafa de vinho que havia trazido na mochila e que estava embaixo da echarpe. Tonel Véio em garrafa de plástico, como sou clássica; E começou a cantar uma música que sempre lhe caía bem em momentos como esse: um porre, agora já, pra se livrar dos sentimentos. Ia dar o primeiro gole quando sentiu alguem se aproximando.

– Você tá sozinha?
– Não.
– Eu sei.
– Sabe?
– Eu tô aqui agora.

– Você me assustou.
– Me desculpa?
– Claro que desculpo. Porque demorou tanto?
– Eu estava procurando flores, daquelas mais incríveis, que nascem no chão da cidade, no meio do caos, sabe?
– Sei! Eu tava contando as estrelas cadentes.
– Fez algum pedido?
– Fiz, mas não posso contar. Ainda.
– Por quê?
– Porque ainda é cedo.

– Estranho isso, vindo de um signo de fogo.
– Mais estranho ainda é seu olhar decidido, vindo de um signo de ar.
– Áries?
– Libra?
– Somos signos opostos…
– Somos complementares.

– Vamos amanhã para qualquer lugar do mundo?
– Vamos de balão…
– Vamos de carro caminhão combi… Tanto faz.
– Mas eu quero voar.
– Eu não preciso de um balão pra voar junto com você.

– Você lembra muito alguem que eu conheci…
– Você lembra muito alguem que eu já amei.
– Porque “amei”, se o amor é infinito?
– Porque amor se transforma, pra dar espaço pra mais sentimento, carinho, pessoas.
– Bom, se algum dia você… sei lá, mantém um bom espaço pra mim. Pra sempre.

– Faz tanto tempo que eu não te vejo…
– Mas você nunca me viu antes.
– Vi sim. Todos os dias, nos meus sonhos.

– Vamos pra casa, eu faço um café.
– Nossa casa é o mundo.
– Vamos pro mundo?
– Vamos, eu e você. Com ou sem café.

Naquela noite que se conheceram, Marte estava indo em direção à Vênus. As ruas tão cheias de vida, vistas através de olhos castanhos sérios-sorridentes, não continham nenhuma flor. Ela imaginou mosquitos e baratas e fantasmas e pessoas, imaginou castelos tão altos quanto prédios e imaginou também, como seria bom estar em casa tomando um bom vinho em paz. Estava indo em direção a alguma coisa, mas não sabia bem o que era, e não imaginava o porque de sair bem naquela noite a procurar flores. Nem tinha trazido nada para fotografar as linhas retas e arredondadas nas construções, que estavam, como sempre gostava de observar, estéticamente lindas. E pensava tanto, em tudo! Começou a pensar em viagens astrais, em poesias intermináveis, em existencialismos francêses russos alemães, em. “Quanta coisa, nessa cuca, Alice”, disse em voz alta.
Pegou o celular na bolsa de couro e viu as horas: 03:03 da manhã – porra, já tá tarde e amanhã eu trampo – mas em vez de guardá-lo ficou buscando algum contato na agenda, alguem para mandar mensagem e que quizás atendesse a essa hora da matina. Desistiu da idéia, afinal, já deveriam estar todos dormindo. Era uma terça-feira de um janeiro suave, quase calor, e havia muita vontade.
Sentiu o vento nos cabelos longos e imaginou que se ao menos um coelho com relógio dissesse que estava atrasado, ela seguiria-o até um buraco sim e se jogaria nele; quem sabe não achava o caminho de volta para o País das Maravilhas. Poderia é claro, sair num bueiro e encontrar o povo do subsolo que vive de grãos tal qual um filme de Jeunet, mas era uma aventura e ela adorava aventuras.
Deve haver alguma, não é possível que não existam mais., pensou. Mas já não sabia se falava de flores, de aventuras ou de amores. Colocou o celular dentro da bolsa e teve uma daquelas vontades medrosas que nos dá quando estamos prestes a dar um passo importante, e pensou mesmo em voltar atrás.
Mas ainda não tinha encontrado nenhuma flor. E era persistente, isso era, “teimosa demais” como dizia sua mãe quando ela era pequena. Ouviu então, uma voz doce que cantava “se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu…”
Não teve mais dúvidas, decidiu seguir por aquele caminho. E foi.

Inspirado em O Dia que Júpiter Encontrou Saturno de Caio F. Abreu.

(I.A) Bebel de Andrade